quinta-feira, 8 de abril de 2010

Crianças roubando: Uma história sem Polícias e sem ladrões

Roubar em criança é um problema bastante comum, dizem os especialistas consultados

Quando chegou a altura de um pai preocupado me fazer algumas perguntas sobre uma criança apanhada a roubar, eu já tinha respostas na manga. Isto porque também fui em tempos um progenitor muito preocupado com o assunto em questão e havia exposto todas as minhas dúvidas ao pediatra.

Em nossa casa tínhamos seguido o processo habitual, mas não fazia ideia que fosse assim tão habitual. Primeiro veio a pergunta casual de um pai ao seu filho: "Tiraste dinheiro da minha carteira?" Depois veio o pequeno ninho de facturas e contas, descoberto acidentalmente no quarto da criança (de 7 anos). A preocupação, as questões, as dúvidas: Como se lida com isto? E que significa? Será que isto nos diz alguma coisa que não queremos ouvir acerca do carácter do nosso filho? Ou acerca de nós mesmos? Haverá alguma coisa que não está bem?

"A maioria das crianças rouba qualquer coisa a dada altura", diz-nos a Dr.a Barbara Howard com animação. Howard é assistente de Pediatria da Faculdade de Medicina Johns Hopkins e, alguns anos depois da minha crise familiar, assisti a uma sua palestra educativa para pediatras sobre comportamento e de- senvolvimento. Roubar era apenas um dos temas abordados, prosaicamente incluído a par de problemas de sono, birras, etc.

Uma criança de dois anos que tira alguma coisa que não lhe pertence, disse ela, será provavelmente descrita como alguém que não sabe partilhar, e não como um ladrão, pelo menos por um progenitor com um sentido razoável do que é o de-senvolvimento infantil. "Eu vejo, eu quero, eu tiro, é meu."

Fixar limites é uma parte substancial de dar uma boa educação aos filhos nos nossos dias . Não, nem tudo o que tu queres se pode tornar teu e a posse não é nem um décimo da lei.

Mas que dizer de uma criança um pouco mais crescida, com 5, 6 ou 7 anos, que sabe muito claramente quais são as regras e que tira uma coisa a outra criança, na aula, ou mesmo de uma loja - a criança que faz algum esforço para esconder o que obteve indevidamente e que, quando confrontada com o crime, pode até negá-lo descaradamente?

Parece que também isso é extremamente vulgar. Tive um paciente de 6 anos cuja mãe chorou ao soletrar a expressão "roubar de uma loja" diante da filha, que tinha subtraído da loja um acessório para o cabelo, segundo me parece. "Eu vejo, eu quero, eu tiro."

Mas em termos de desenvolvimento passa-se algo de mais complexo. "A fase seguinte é uma fase de teste", diz Howard. "As crianças tentam descobrir o que acontece se forem apanhadas e um dos maiores problemas dá-se quando os pais não as apanham. Estão a tentar descobrir quais são as regras, e se ninguém as apanhar e lhes disser que está errado, que têm de devolver as coisas ou de as pagar, elas ficam com a sensação de que não estão a ser bem supervisionadas."

O Dr. Martin T. Stein, outro perito de comportamento e desenvolvimento, professor de Pediatria na Universidade da Califórnia em San Diego/Rady Children?s Hospital - serviu-se da expressão de um pediatra que admira para se referir às crianças dos 5 aos 8 anos que roubam: "É de facto um momento pedagógico", diz o especialista.

É uma oportunidade de um dos pais falar de normas e de comportamento ético, tornando esses conceitos reais ao exigir que a criança peça desculpa e devolva o que tirou. "É de facto uma óptima oportunidade", diz Stein, "e transmite a mensagem de que não é um comportamento adequado e de que não é algo que possamos tolerar."

Mais preocupante é a criança que rouba por motivos menos manifestamente aquisitivos. Uma rapariga que subtraia um ornamento para o cabelo que imagina que lhe vai realçar o rabo de cavalo ou um rapaz que surripie a outro miúdo um brinquedo que inveja estão a praticar um tipo de roubo que, embora tenha de ser abordado e corrigido, é menos preocupante que o chamado roubo simbólico.

Uma criança zangada pode roubar um objecto muito estimado a outra pessoa e destruí-lo: deitar uma jóia da mãe pela retrete abaixo ou pegar fogo a um projecto ou trabalho especial de um irmão. Uma criança que se preocupa com o seu desempenho na escola pode roubar uma coisa à supervedeta da turma.

Uma criança que passa a vida a tirar coisas aos outros é uma criança problemática e, à medida que vai crescendo, o assunto pode passar a ser muito mais sério. Se alguém que frequenta a escola primária andar a roubar dinheiro, é preciso desde já começarmos a preocupar--nos com a possibilidade de haver drogas, álcool e outras influências negativas na sua vida.

E quanto ao verdadeiro comportamento anti-social? Uma criança de tenra idade roubar não é de modo nenhum a mesma coisa que pegar fogo a coisas ou torturar animais - ou qualquer outra das hipóteses assustadoras que passam pela cabeça de um pai da primeira vez que que lhe passa pela cabeça algo como "será que acabo de te ver mesmo a tirar uma coisa daquela loja?" 

Por outro lado, um padrão de roubo sem remorsos pode indicar um problema grave - e essa criança precisa de ajuda quanto antes.

No entanto, os pais da maioria das crianças de tenra idade podem ter a certeza de que roubar é um comportamento bastante comum. "Pode bem ser muito invulgar uma criança passar toda a sua infância sem ter roubado, embora o progenitor possa não o saber", diz Stein.

Quando se fica a saber, diz Barbara Howard, não se deve fazer como fazem alguns pais: não se pode sair porta fora com os filhos a reboque, para fazer uma ronda por todos os reformatórios e casas de correcção da zona, com a intenção de mostrar a uma criança de 7 anos onde as pode levar uma vida de crime.

"É preciso fazer parar as crianças - é preciso que paguem o que tiraram e que peçam desculpa pelo acto", acrescenta Howard, "mas não devem ser levadas à prisão municipal nem tratadas como se o seu destino inapelável fosse serem criminosos."

Por isso, a responsabilidade pertence--nos a nós, pais. Devemos descobrir o meio termo. "Muitas vezes o progenitor fica embaraçado ou humilhado e não quer dizer a ninguém que o filho ou filha roubou", avisa a Dr.a Howard. "Fazer de mais ou de menos é igualmente mau. Devemos encontrar o equilíbrio certo."

Assim, quando encontrámos o esconderijo do dinheiro roubado, perguntei ao pediatra, que me disse, amavelmente, que se tratava de um acontecimento perfeitamente de rotina. 

"Leve o assunto a sério", disse-me ele, "fale sobre as consequências, obtenha um pedido de desculpas, mas não actue como se pensasse que o seu filho é um criminoso." Foi exactamente o que eu disse ao primeiro progenitor que me perguntou a mesma coisa na sala de observações - e a todos os que vieram depois.

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